sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Conversas de Bar

    Era madrugada de sábado.
    Mais uma madrugada de sábado.
    Nesta pequena cidade, qualquer um que estivesse na rua depois das dez da noite era considerado um desajustado, afinal, ali só moravam famílias tradicionais e dos bons costumes.
    O dono do único bar da cidade era visto com maus olhos pela população, mas ele nunca se importou muito com isso. Ele sempre manteve seu bar aberto de domingo a domingo, até o último cliente ir embora - havia dias em que o último cliente indo embora coincidia com o primeiro cliente do outro dia chegando. Ele sabia que havia pessoas que precisavam daquilo, pessoas que não conseguiam se encaixar nos bons costumes daquela sociedade. Ele mesmo nunca se encaixou e aceitou isso e lidou com a forma que julgou ser a melhor: Enchendo copos de outros desajustados para que as suas vidas ficassem, mesmo que por algumas horas apenas, um pouco melhor.
    Mas na madrugada desse sábado um cliente novo apareceu no bar.
    Era um sujeito magro, com uma grande barba e cabelo longo. Vestia uma camiseta branca simples, calças jeans e chinelo. Tinha um olhar distante e parecia preocupado. "Esse é mais desajustado que todos os desajustados dessa cidade juntos!" pensou o dono do bar.
    - Tudo bem com o amigo? Posso ajudar? - Perguntou o dono do bar.
    - Preciso pensar sobre algumas coisas um pouco. Tudo bem se eu ficar aqui um tempo? Quem sabe você possa me ajudar. - Respondeu o forasteiro enquanto observava o bar. Era um bar simples e pequeno. No canto havia um homem e uma mulher, os dois com idade por volta de cinquenta anos. Eles jogavam algum jogo de cartas e terminavam uma garrafa de cerveja enquanto dividiam espaço com varias outras garrafas já vazias na mesa.
    - Mas é claro! - Respondeu o dono do bar - Se eu puder ajudar, o farei com muito gosto. Você vai beber algo enquanto isso?
    - Pode ser uma cerveja. Ou melhor, traz duas já, por favor.
    Ele foi pegar as cervejas, enquanto o forasteiro observava os outros dois jogando cartas e rindo. O forasteiro sorriu de canto, parecendo compartilhar da alegria dos dois.
    - Aqui está! Mais alguma coisa? - O dono do bar chegava interrompendo os pensamentos do forasteiro.
    - Não, por enquanto só isso mesmo, obrigado! Eles sempre vem aqui? Perguntou o forasteiro ao dono do bar, enquanto acenava com a cabeça para os dois jogadores em gargalhadas.
    - Eles? Praticamente toda noite! Passam a madrugada jogando. O mais engraçado é que quase nunca marcam quem está vencendo o jogo. - Respondeu o dono bar, rindo, enquanto enxugava alguns copos na pia.
    - Aliás, desculpe, mas como é o seu nome? Acho que nunca te vi aqui na cidade. - Perguntou o dono do bar ao forasteiro de forma cordial, preocupado em não soar invasivo.
    - Nossa, desculpa minha falta de educação. Eu sou Jesus. - Respondeu o forasteiro enquanto tomava mais um gole da sua cerveja.
    - Olha só, um nome bíblico. Você até que parece com o próprio, se for ver bem. - brincou o dono do bar.
    - Desculpe, pareço com quem?
    - É... com Jesus, sabe? Da bíblia e tudo mais?
    - Ah, sim! - Respondeu o forasteiro e depois caiu na gargalhada - Desculpe, é que na verdade eu sou ele! Ou eu sou eu, no caso. - finalizou o forasteiro, com um sorriso simpático como se tivesse dito a coisa mais normal do mundo.
    - Você? É Jesus?
    - Sim. - Respondeu o forasteiro enquanto pedia a terceira cerveja.
    - Olha, amigo, desculpe, mas, se você for brincar com essas coisas eu vou pedir para que você se retire daqui. Nunca fiz isso com ninguém, mas não me importo de ter a primeira vez!
    A expressão no rosto do forasteiro mudou, ele sentiu-se culpado pela situação.
    - Desculpe, não queria causar essa situação. Mas eu realmente sou eu.
    - Por favor, vá embora daqui! Não precisa nem pagar as cervejas. só não quero mais ficar ouvindo essas suas brincadeiras desrespeitosas! - Respondeu com um tom mais ríspido o dono do bar.
    - Não, é sério! Eu sou eu. Olha... - O forasteiro então pôs a mão nos ombros do dono do bar e o encarou como se mostrasse alguma coisa e o dono bar estalou os olhos e o encarou de volta como se estivesse vendo tudo que tivesse sendo mostrado.
    - Je... Jesus?
    - Foi o que eu disse - respondeu Jesus sorrindo. - Mais uma cerveja, pode ser?
    - Cla... claro! O que o senhor quiser! - respondeu o dono do bar com o olhar abismado e sem saber como agir.
    - Não, por favor. Me trate como você estava me tratando antes, por favor.
    - Mas, senhor... Você é Jesus!
    - Sim... Mas, sei lá, sabe, no fim sou como você, como os dois ali jogando cartas, não tem nada demais. Quer dizer, tem toda a minha divindade e eternidade e tudo mais, mas é detalhe, sabe?
    - Tá bom, senhor - respondeu o dono do bar com a cabeça baixa e sinal de respeito.
    - Mas o que eu acabei de falar? Sou só mais um cliente aqui. - Disse Jesus com um tom mais sério
    - Tá, beleza, Jesus.
    O dono foi saindo para buscar a cerveja, parou por um momento e voltou.
    - É cerveja mesmo, né?
    - Sim, aham.
    - Tá... é que eu tenho vinho aqui também...
    - Não, obrigado. Pode ser cerveja mesmo.
    - Certeza?
    - Sim.
    - Ok. - "Qualquer coisa ele transforma em vinho também se quiser" pensou o dono do bar enquanto saia buscar a bebida.
    O dono do bar voltou com a cerveja e a serviu. E ficou observando a situação toda por um momento, até que não aguentou e perguntou.
    - Então, Jesus... Você, num bar a essa hora em uma cidadezinha como essa. Por quê?
    - Na verdade não era pra eu estar aqui. Como disse quando cheguei, queria ver até se você conseguia me ajudar. - Nesse momento, Jesus estava um pouco mais sério, olhando para o nada e pensativo.
    - Era pra eu ter voltado, sabe? - continuou Jesus - Mas eu não sei se vai valer a pena. Quer dizer, eu já estive aqui antes, entende? Fiz discursos, passei a palavra, consegui um pessoal pra me ajudar. Até escreveram essas passagens. Vocês chamam o livro de Bíblia, né?
    - Sim... - respondeu o dono do bar meio atônito ainda.
    - Então., eu não sei muito bem porque acho narcisista ficar lendo sobre você mesmo. Mas uma coisa que eu sei é que, rapaz, esse livro sofreu com as traduções, hein? Se eu soubesse teria pedido para escreverem a bíblia em inglês, teria menos problema de tradução. Mas o hebraico tava super em alta na época... - Jesus deu o último gole na cerveja e pediu mais uma.
    O rapaz buscou mais uma e voltou a sentar e continuou ouvindo.
    - Então, continuando. Eu tinha achado uma boa ideia colocar toda aquela história em um livro, para ficar eternizado, sabe? Mas cara, como mudaram as coisas que foram escritas. Muita coisa é má interpretada e lida fora do contexto. Aí eu vejo cada coisa sendo feita em meu nome. - Jesus continuava observando os dois amigos jogando cartas e rindo cada vez mais e ele sorria a cada vez que olhava para a situação.
    - É... - disse o dono do bar. - Realmente tem muita coisa que parece que o pessoal não entende. Aqui mesmo na cidade tem um pessoal que passa o dia julgando tudo, falando que, pessoas como eu e o pessoal que vem ao bar somos todos pecadores e vamos todos para o inferno.
    Nesse momento o dono do bar percebeu que ao falar isso, ele estava incluindo Jesus nessa fala. O desespero correu por ele enquanto ele tentava se explicar e desculpar.
    - Não, nem todo mundo! O senhor é outra situação, eu tava falando da gente aqui que...
    - Calma, meu amigo. Eu entendi e está tudo bem. E essa é justamente a questão. Hoje todo mundo julga todo mundo. Sendo que isso foi exatamente o contrário do que eu queria dizer.
    Nesse momento os dois amigos que jogavam levantaram cambaleando e ainda rindo, se despediram do dono do bar e também de Jesus.
    - Você é novo aqui né? Gostei da roupa. - Disse o homem enquanto se despedia de Jesus sem saber que ele era ele.
    - Achei você gente boa, cara. Volta aqui amanhã e vem jogar com a gente! - Falou agora a mulher enquanto abraçava Jesus e se despedia dele, também sem saber que ele era ele.
    Jesus ficou rindo olhando os dois irem embora.
    - Bem-aventurados os humildes de espírito, porque deles é o reino dos céus... - Disse Jesus enquanto se levantava - Essa é uma frase que mudaram na tradução, mas achei que ela ficou melhor assim então peguei para mim - falou rindo, enquanto olhava para as portas como se estivesse procurando algo.
    - Onde é o banheiro? - Perguntou Jesus.
    - Fica ali no fundo a direita. - O dono do bar ainda parecia não acreditar naquilo tudo.
    Depois de um tempo, Jesus voltou, sentou, pediu mais umas cervejas e ficou conversando. Ele não sabia se valia a pena voltar, estava com medo de suas palavras continuarem sendo má interpretadas ou que as interpretações piorassem.
    - Sabe, meu amigo. Acho que vou dar mais um tempo. Ver até que ponto a humanidade chega com a sua intolerância. Talvez vocês achem um limite por vocês mesmos e comecem a trilhar um novo caminho. - Jesus agora falava com um tom mais sério, encarando o copo de cerveja, pensativo - Eu sou a personificação do que o as pessoas ditas de bem hoje em dia não toleram, e não pretendo voltar para no fim ser crucificado pelos mesmos motivos e pelas mesmas pessoas de bem como há dois mil anos.
    Jesus então, ou o forasteiro, dependendo exclusivamente do que você acredita, se levantou quando já amanhecia. Agradeceu pelas cervejas e pela conversa que há tempos não tinha. O dono do bar, tendo visto o que viu quando Jesus o mostrou, sentiu-se a pessoa mais honrada na terra e, por um momento, esqueceu de todo julgamento que sempre recebeu.
    Jesus saiu pelas ruas, decidido a voltar outra hora. Estava meio cambaleante por conta das cervejas. Encontrou com algumas pessoas de bem que estavam indo trabalhar. Todos ao olharem para ele tinham a mesma reação.
    "Uma vergonha isso. Um pecador, vagabundo desses.... Vai para o inferno, com certeza."

quarta-feira, 1 de março de 2017

O Brasil e o brasileiro

Diante de um dito popular, aquele que prega que "o Brasil só funciona depois do Carnaval", me peguei pensando na situação.

Carnaval Baiano


Primeiro de tudo. O que é o Carnaval? Com uns 15 minutos de Tio Google descobri que a festa tem origem pagã, é celebrada de diferentes maneiras no mundo inteiro e foi trazida pra cá pelos nossos colonizadores. Os portugueses festejavam um tal de Entrudo, que era uma grande bagunça em que as pessoas iam para as ruas se sujar de tinta, farinha e ovos para celebrar a fertilidade, mas com o tempo a festa foi sofrendo influências indígenas, africanas e europeias (ou seja, influências brasileiras) até se tornar o que é hoje.

Além de cidades brasileiras, como Rio de Janeiro, Recife e Salvador, existem outras ao redor do mundo que exaltam o Carnaval tanto quanto nós. O Carnaval de Veneza, por exemplo, é considerado o mais tradicional do planeta!

Carnaval Veneziano


Apesar da origem pagã a festa fora adotada pelo cristianismo e daí é calculada sua data: imediatamente antes da quaresma, ou seja, no carnaval faz-se tudo aquilo do que se priva durante a quaresma. Três dias para extravasar e 40 para se conter, mas e os outros 322? Eu diria que não faz muito sentido, mas lógica e religião são duas palavras que geralmente não cabem numa mesma frase...

Sempre estive muito aleatório ao Carnaval. Meu pai e minha mãe nunca foram muito fãs da festa e sempre se sentiram irritados com programação repetitiva da televisão aberta na data. Como me criei no interior do Paraná cresci sem contato com o grande furor causado pela data em outras regiões do Brasil. Neste carnaval fiz minha primeira excursão para curtir o carnaval em si. No Paraná a maior festa se dá no litoral, onde acontece uma mistura de carnaval baiano (trios elétricos) com carnaval carioca (desfiles).

Na semana passada tive a oportunidade de passar 4 dias com pessoas dos quatro cantos do Brasil, em Brasília, nossa saudosa capital federal (esse lugar merece outro texto, quem sabe). Conversando e convivendo com essas pessoas pude entender um pouco das tradições carnavalescas de cada estado. Em alguns lugares começam a acontecer festas semanas antes da data oficial, configurando o chamado pré-carnaval. Em certos lugares as festas de rua chegam a reunir alguns milhões de pessoas!
Além disso, as cidades que se situam relativamente próximas das maiores festas, sofrem verdadeiros êxodos, tornando-se o local perfeito para a calmaria e o descanso.

Carnaval Pernambucano

Hoje, dia primeiro de março, quarta-feira de cinzas (nome que vem de um ritual cristão), chego a algumas conclusões sobre o Brasil e o brasileiro.

Aquele ditado popular que deixei no começo do texto é verdade, mas também é mito! Eu explico.

Devido ao fato de o Carnaval ser sempre um feriado prolongado (sempre nas terças-feiras) é uma data sempre aguardada, mesmo que inconscientemente, por todo brasileiro. Afinal, quem não gosta de um feriado? Além disso, devido a esse feriado acontecer sempre em fevereiro, acaba sendo muitas vezes "emendado" com as férias escolares. Vantagem para estudantes, professores e todos os trabalhadores vinculados aos calendários do sistema educacional do país. Outro fato é que o Carnaval é um evento que, por sua magnitude, gira a engrenagem de todos os setores da economia, por isso muitos ramos da sociedade gastam o começo do ano se preparando para o Carnaval. Sendo assim pode-se dizer que, metaforicamente, o Brasil (a maior parte dele) começa só depois do Carnaval!

Carnaval Carioca

Vamos ao outro lado da moeda, falando de maneira literal e cética. Já pensou se todas as pessoas iniciassem suas atividades somente ao final de fevereiro ou começo de março? Dois meses de lixo acumulado nas ruas, dois meses sem colheitas no agronegócio, dois meses sem produtos industrializados, dois meses sem atendimento médico, dois meses sem absolutamente nada que seja fruto do trabalho! Dizer que o país só funciona depois do Carnaval chega a ser uma ofensa aos trabalhadores que enfrentam suas oito horas diárias nos meses de Janeiro e Fevereiro, aguentando temperaturas altíssimas que o nosso verão tropical proporciona e, na maioria das vezes, ganhando salários injustos que não são capazes de cobrir uma "folia" ou uma viagem de descanso durante o feriado. Portanto tome cuidado (na verdade é melhor abolir essa expressão do vocabulário) ao falar que brasileiro só funciona depois do Carnaval!

Carnaval Suíço (Basiléia)

2017 foi o primeiro ano da minha vida em que viajei para participar de uma festa de Carnaval, talvez tenha sido isso que me fez parar pra refletir sobre tudo isso.

A verdade é que o Carnaval, goste você ou não dele, faz parte da nossa riquíssima cultura brasileira. É no Carnaval que afloram alguns dos ritmos que são considerados genuinamente brasileiros, como o frevo e o samba. É nessa época que o Brasil ainda mais colorido, atraindo milhares de turistas de todos os cantos. São três dias nos quais quase todo brasileiro esquece suas responsabilidades, angústias e frustrações.

Dê uma chance ao Carnaval. Você não vai se arrepender!

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Homens Camaleões

   Vivemos na era da informação, tempos onde podemos, em questões de segundos, estabelecer contato áudio-visual com uma pessoa em qualquer lugar do planeta (com sinal de WiFi). Onde [segundo algum pesquisador por aí] todos estamos interligados por no máximo seis pessoas, ou seja, algum amigo seu tem uma tia casada com o pai do alfaiate que fez terno usado por Barack Obama no no discurso de posse. A verdade é que direta ou indiretamente convivemos com uma infinidade de outras pessoas com diferentes mentalidades e opiniões sobre os mais diversos assuntos possíveis e imagináveis.




   Se existe algo mais complicado nesse mundo do que viver em sociedade ainda não foi descoberto pelo ser humano! Já parou pra se perguntar como é difícil seguir todas as regras impostas quando se trata de convívio? Não menosprezando as leis, porque infelizmente sem elas os seres humanos (que se julgam o único ser racional do planeta) se afundariam num mar de insanidades praticadas por quem tem poder (lê-se dinheiro) e só pensa em se tornar mais poderoso, a qualquer custo.

   "Desde pequenos fomos programados pra receber de vocês! Nos empurraram com os enlatados dos USA, de 9 às 6!" Diante de tantas regras e imposições o ser humano se obriga a se moldar com as necessidades de cada meio (já dizia Darwin) e acaba se camuflando para se adequar à sociedade, ao grupo de pessoas, no qual está inserido.

   É fácil de observar essa camuflagem social. Com que roupa eu vou naquela reunião? E na festa depois? E no almoço em família amanhã? Com certeza não vai ser a mesma p'ras 3 ocasiões! Cada ocasião, pessoa ou lugar vai te obrigar a se camuflar para não se tornar uma presa fácil aos predadores. Se você aparece num casamento usando chinelos e regata, se for calor, ou pijama e pantufa, se for frio, obviamente seria julgado por grande parte das pessoas lá presentes. No mínimo iria ouvir comentários desagradáveis, vindo de alguém que tem a boca mais rápida que o cérebro. E o vocabulário? Ai de quem disser um palavrão dentro da igreja.. Vai pro inferno!


   Só vejo uma saída nessa história toda. Escolher as melhores paisagens pra se camuflar. Se o camaleão está em um lugar cinzento ele se obrigará a ficar cinzento, e se o lugar for colorido, ele terá de absorver as cores pra si. 
Perante à sociedade moderna somos os homens camaleões e um de nossos predadores é o grupo de pessoas monocromáticas que querem nos convencer de que a cor delas é a mais bonita, que devemos esquecer nossa capacidade de mudar de cor. O que seria do verde se todos gostassem do azul? Posso gosto de xadrez, mas listras vão muito bem também!


Sejamos todas as cores,
Da cor do pecado.
Provemos de vários amores,
Amor bem amado.


sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Eternize-se



           Não há horário melhor para se olhar (contemplar) o céu do que à madrugada. É neste intervalo do dia em que as estrelas se mostram para quem quiser vê-las. Elas se mostram tanto que, algumas delas, mesmo depois de mortas, continuam a mandar a sua luz para a terra, mesmo que o seu observador não faça a menor ideia de que aquela estrela já esteja morta há alguns anos. É interessante isso, a estrela está morta, de fato, mas ela continua ali, no céu, aparecendo para você na infância, adolescência e aparecendo para você até mesmo quando você estiver em um acampamento com o seu filho de 10 anos. E a luz e imagem dela poderá permanecer ali ainda no tempo dessa mesma sequência de eventos acontecer com esse filho. Estrelas morrem em qual forma? Física? A luz dela continua ali, andando milhares de quilômetros por dia. Ela morre na lembrança de alguém? Talvez, mas só depois de muitos anos. Elas dificilmente morrem. Agora, o que nós devemos fazer para conseguirmos tal façanha? Com uma descoberta científica talvez? Até pode ser, mas a descoberta será eternizada, não você. Por isso, lembre-se de colocar o seu nome na descoberta quando isso acontecer, dica de amigo. Tem algumas maneiras de deixar o seu nome atravessando os séculos. Você pode ser um grande músico. Você pode ser um exímio pintor. Pode ser um revolucionário cientista. Pode ser um ditador que matou milhares de homens, mulheres e crianças, sem escrúpulo nenhum. Pode ser um homem que venceu guerras apenas ficando sem comer e falar com ninguém. Pode ser um grande diretor que vai eternizar o seu nome nos créditos de seus grandes filmes e obras. A escolha é sua. Não fazer nada disso e nem mais nada para não ter uma morte e ter uma sobrevida como uma estrela também é uma opção. É a mais fácil. É tão mais fácil que milhões e milhões de pessoas tomaram essa decisão e tomam até hoje.
           Fica tudo ao seu critério. Você tem uma sobrevida. Você pode ser como esse corpo cósmico que tem 90% dos compostos moleculares essenciais iguais aos seus, que chamamos de estrela. O seu nome é a sua luz! Da mesma forma como a luz de uma estrela perdura durante anos, assim deve ser o seu nome. Ele deve permanecer sendo lançado a quem queira ouvir durante o passar das décadas e séculos! E aí, o que você vai fazer a respeito? Vai esperar seus 30 e poucos anos de empresa para ganhar o relógio de ouro? Vai gastar dois terços do seu dia para conseguir manter o aluguel da casa que você não passa tempo além do tempo que você dorme nela e conseguir manter a prestação do carro que você só usa para ir ao emprego? Ou vai fazer algo? E eu não falo de nada muito difícil não, como fazer o melhor filme de todos os tempos ou então resolver a equação que dá origem à vida. Você pode eternizar o seu nome se você for um bom amigo. Você vai eternizar o seu nome se você for um bom filho, irmão, marido e principalmente pai. Se você for um bom pai, seus filhos falarão o seu nome, assim como os filhos deles, e os filhos deles e assim por diante. Pronto, seu nome está eternizado de alguma maneira - da melhor maneira eu diria-.            Volto a olhar o céu agora, nesse horário em que as estrelas - e o universo - mostram-se com maior força. Pergunto-me como chegamos nisso. Como deixamos acontecer que o universo se mostre com maior intensidade nesse pequeno intervalo de tempo que você passa dormindo provavelmente por ter um compromisso, o qual você não quer ir, de manhã. Como deixamos essa imensidão do cosmos assim exposta diante de nós e nós nem ao menos olhamos para cima para encarar isso? Para encarar o universo com curiosidade, depois um certo medo do desconhecido e por fim, a curiosidade de descobrir o que pudermos sobre esse infinito quintal da nossa casa. Nós somos seres que descobriram o fogo, inventaram a roda e fizeram a música. Hoje, alguns milhares de anos depois, somos os seres que ainda usam o fogo como proteção e forma de energia, ainda dependemos da roda e temos quaisquer sons aleatórios considerado como música pela maioria das pessoas. Ou o fogo e a roda foram duas incrivelmente grandes descobertas, ou estamos ocupados demais para fazermos novas. Nós somos seres que ao vermos uma estrela cadente, ao invés de contemplarmos o evento e como são as coisas no universo, nós nos preocupamos em fazer um pedido. Eu nunca entendi essa necessidade nossa de fazermos pedidos para coisas que estão no céu. Mas quem sou eu para falar? Eu parei de contemplar o céu para pegar o smartphone e escrever isso. Vou ficar por aqui. Espero que se alguém ler isso, pense sobre e, quem sabe, consiga eternizar o seu nome de alguma forma. Se isso acontecer, a minha luz já ganhou um pouco de sobrevida.